Quem é você na fila do pão?

Laboratório Invisível
4 min readJul 13, 2021

Ok, não vou começar lançando essa braba. Mas me diga: Quem você de fato, conhece? Pense nas pessoas mais próximas: Seus pais, irmãos, melhores amigos, parceiros amorosos. Talvez consiga prever suas próximas escolhas no restaurante:

— Rolinho à primavera pra ele! — rompeu confiante com um sorriso nos lábios.

Contudo, o pai do empirismo nos lembra: “Não é porque o Sol nasceu todos os dias de nossa vida que ele nascerá amanhã”, afinal, pode surgir um improvável e veloz cometa capaz de destruir a Terra. O Sol poderia cansar e se apagar precocemente, implodindo logo antes de se tornar um buraco negro. Duvida? Ok, mas você pode nem estar vivo para colher os louros de uma eventual aposta por motivos muito mais “possíveis”…

Nossa mente é preguiçosa e prefere crer em fórmulas mágicas. Dá trabalho redescobrir a roda a cada tarefa cotidiana. Recorremos então às teorias tácitas: Regras que regem muitas das nossas decisões imediatas. Ao abrir a porta do carro não pensamos em sua mecânica; vestimos roupas todo dia sem questionar as convenções sociais ordenadoras (salvo à raras excessões quando tomados por um rompante de excentricidade, genialidade ou loucura). Nossa maior certeza é uma uma etérica noção de “presente”.

O “inabalável” do Homem comum, crente das Profecias Constantes, superestima (ou desconhece) o império da inércia. O cientista — original — não crê: vê-se destacado de seus testes. Quando levado pelo ego, pela manutenção do prestígio, ou pela busca de re-conhecimento, o sucesso de suas experiências passadas cegam às novas descobertas ou transformações.

— Humildade… — Sussurrou tímido na biblioteca…

— Shhh! Não diga isso em voz alta!

Bustos renascentistas se quebram, crachás se rasgam ao ouvir essa palavra. Humildade. Enquanto exaltados, inabaláveis e heróicos, quando questionados vistosos como o reflexo do vampiro. Apreciam a segurança, operam na defensiva. Apegados à solidez de uma realidade confusa. Falsários dolosos sofrem tal qual um religioso que escuta do infiél:

— Deus não existe, suas tradições são uma mentira.

A questão é que a certeza científica ou religiosa, tanto quanto a dúvida e o niilismo tem seu lugar em suas próprias escrituras, em suas linhas de argumentação. A escolha é sua a cada instante bater de frente ou fortalecer certos paradigmas. Sua mente é livre para carregar a cruz que preferir.

O Sol nascerá amanhã? Stairway to Heaven é a música favorita de seu namorado? Você gosta de pamonha? Você é uma boa pessoa? O que é bom hoje continuará sendo bom amanhã? O que é o beleza? Você é belo? O que te dá prazer? — Quais dessas coisas você repetiu tantas vezes que já responde de forma automática?

As certezas são inegáveis. Se alguém o nega então já não é tão certo assim. — Você pode pregar um uso mais consciente das redes sociais, mas não deixa de ser mais um número nas estatísticas de usuários dependentes — Glitch. Coroa hippie no sofá proclama: “Fumo todo dia, há 30 anos e não to viciada…” — Talvez a certeza exista apenas dentro de mim num universo paralelo. A dúvida é nebulosa, retroativa, em outros casos impulsionadora, depende do ângulo.

Todos querem alcançar seus objetivos, ou seja, para que isso aconteça é necessário ter um caminho em vista. É o que nos move! Importante frisar que muitas vezes seguimos uma trilha familiar, acessível e certeira. Tranquilo, os Epicuristas bem sabem que a realização é um conceito modular. Mas que seja uma escolha escolhida! Poucos questionam suas próprias aspirações, qualidades ou dúvidas e a maioria nunca questionará as convenções da sociedade e morrerá em uma cela invisível.

Além de trevosa, a dúvida como a crítica são percursos solitários. Daí surge a necessidade de criarmos nossa própria chama interna para iluminar o caminho e nos aquecermos. Nesta trilha acabaremos por avistar outros pontos luminosos mais facilmente. Em meio às concepções artificiais, vinda dos postes que iluminam multidões no estádio fica difícil perceber a luz que emana de nós mesmos. É como ligar uma lanterna durante o dia. O conhecimento se torna uma egrégora que alimentamos a cada nova descoberta. Mas essa epistemologia passa a ter vontade própria e sede de sangue. Brincadeira, passa a ter apenas uma “clássica tendência” e cria anti-corpos, famosos agentes smiths. Olha aí: a inércia pega em flagrante.

Vale comentar também, que não precisamos acender essa luz tão cedo. O pânico só enrijece, “A noite é mãe”. Penso ainda, que viver a escuridão é fundamental. Nossas pupilas se acomodam e se sensibilizam. Nos camuflamos à escuridão e podemos usar a lanterna estrategicamente, talvez no caso de um predador noturno avançar sobre nós. Ele, mais adaptado, também sofrerá mais com um raio de luz certeiro. Podemos fugir, ou contra-atacar. Os ninjas buscavam se integrar com as sombras para surpreender seus inimigos, brincavam com seu imaginário dos samurais. Estes, comportados e iluminados pela honra do Bushidô, ao verem vultos na floresta tinham certeza de que se tratava de um espírito maligno. Os ninjas acabaram ganhando a fama de serem dotados de poderes sobrenaturais. Se fundiram com o mito, empoderando mais ainda seu arsenal de combate.

Saber onde estamos, o que queremos é no mínimo interessante. Não temer a escuridão é o primeiro passo para acender sua fogueira no mato. Me encontro e me perco neste eterno fenômeno de auto-esquecimento, quer dizer auto-conhecimento e peço sempre mais coragem para mergulhar em novas lacunas do ser.

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